Montes Claros: nos anos 70, protagonizamos batuque furão no antigo Colégio Paulo VI…

Antes de mudar de nome, passando a se chamar ABGAR RENAULT, o Colégio Paulo VI mandou bem em Montes Claros-MG. O educandário funcionava numa residência azul, construída sobre terreno elevado em relação à avenida que circunda a Praça de Esportes. Dispunha de cômodo muro baixo na parte frontal, local de deleite dos alunos na hora do recreio.

O diretor Édson Aguiar e o vice, Diógenes, realizaram notável trabalho administrativo. Tanto que o Colégio Paulo VI marcou destaque nos desfiles de 7 de Setembro e, principalmente, na grade curricular de Ensino Médio, registrando bom nível pedagógico.

Adolescentes afoitos, transformamos a sala de aulas em palco de diversões. Difícil segurar o pique daquela garotada: eu, Afonso Celso/Floriano Magalhães Ferreira, Sansão, Nivaldo “Feijão”, Carlitos de Conrado, Elzon Ernane (vulgo Macarrão), Carlão.

Apesar de bagunceiros, a diretoria nos confiou a tarefa de comandar a fanfarra escolar. Nem treinávamos muito para a apresentação oficial na Avenida Coronel Prates, onde os desfiles cívicos tinham lugar; era o antigo endereço da Prefeitura Municipal.

Na realidade, a fanfarra do Paulo VI primou por improviso idealista no ritmo da batucada, superando o sucateamento do seu arsenal de percussão (tarol, surdo, bumbo, etc…).

Ainda recordo da troca-troca de peças dos veteranos instrumentos a cada proximidade do 7 de Setembro. Um a um, os tambores deixavam o confinamento do depósito escolar para ressurgirem ávidos; aí estrondavam sons ritmados, avenida afora.

No ato da finalização da reforma dos instrumentos ou de cada ensaio, brindávamos felizes, à base de refrigerantes. Floriano descobriu que podíamos “pescá-los” com rodo e lacinho no frezzer horizontal da cantina nos dias de treino, quando o colégio sem aulas era todo nosso…

Prosseguiríamos filando as bebidas se não tivessem descoberto nossa estratégia de furto, perpetrada pela janelinha da cantina. Simplesmente a lacraram a generosa passagem com um cadeado enorme. Isso pôs fim ao bebericar gratuito de refrigerantes no decorrer dos treinos da fanfarra…

Ciente dessa malandragem, o diretor Édson Aguiar nos intimou para que fôssemos à diretoria. Educado, medindo cada palavra, ele manteve torturante silêncio por quase dois minutos, antes de entrar no assunto, propriamente dito. Depois, incisivo, frisou para não repetirmos aquilo.

“Confiava em vocês, mas me decepcionaram”, disse sem deixar de nos olhar, e também sem rancor na voz.

Espertos, negamos a autoria dos sequenciais furtos de refrigerantes que Édson expôs, expressando expressões perplexas, de surpresos pela informação. Teatro que não convenceu o inteligente diretor.

“Nem precisam negar, pois sei que foi vocês. Só não façam mais isso, por favor!”

Um a um, em fila indiana, deixamos a diretoria sem-graça, passando ao lado de outros alunos com sorrisos amarelos dispersos. Tentativa de mascarar a vergonha do lava-cara tomado na sala da diretoria…

DESFILE INICIAL

Na primeira apresentação da fanfarra, imprimimos total força nas batidas dos instrumentos, cientes de que nosso colégio não teria vez de se sobressair perante os demais. A fanfarra mais famosa era do Colégio São José, seguida pela Escola Normal e Colégio Tiradentes.

A meu lado, Carlão rodopiava as baquetas com maestria mágica, antes de desferir batidas ensurdecedoras no bumbo. A fanfarra do Paulo VI não poderia falhar! Afonso e Floriano tentavam acompanhá-lo igualmente animados…

Compenetrados nessa função de batucar as caixas de bumbo, queríamos, sim, fazer o melhor. E ouvir aplausos também nos motivou duplamente, e assim batuquei o frágil couro do meu bumbo sem piedade. Só que o furor dessa ofensiva gerou rasgo monstruoso no couro surrado nos treinos, culminando em silêncio fúnebre do instrumento. A baqueta ficou entalada…

Ao me dar conta desse sucedido, ouvi vaias estrondosas de quantos flagraram aquela imprevisível furada de caixa. Nem tudo nos desfiles de 7 de Setembro se constitui em aplausos…

Arranquei a baqueta como quem arranca um punhal do estômago de alguém, certificando-me de que seria inútil continuar integrando o corpo da fanfarra com aquele peso morto acoplado ao meu corpo.

Estratégico, sem parar de marchar, mesmo para manter onda de animação que já nem sentia, fui saindo de mansinho do grupo, para me infiltrar entre os que assistiam o desfile. Ouvi muitos recriminando minha passagem abrupta no meio deles, ainda mais levando bumbo.

Livre de ser prensado pela multidão, dirigi-me ao final da Avenida Cel. Prates, início da Mestra Fininha, e ali aguardei, pacientemente sentado no bumbo, a chegada e desintegração dos blocos que compunham o desfile do nosso colégio. Os membros da fanfarra surgiram mais atrás, já com os instrumentos silenciados.

Ar de quem quer tirar sarro, Carlão quis saber o motivo de ter debandado, e mostrei o rasgo do bumbo. Gargalhou sem parar, seguido por Carlitos de Conrado, outro gozador plantonista. Ernane Macarrão foi o único que se solidarizou comigo.

“Isso acontece… Esses instrumentos precisam ser trocados por novos”, disse.

O caso do bumbo furado deu o que falar por alguns dias, caindo no esquecimento num prazo menor do que previra.

Só não calculei que esse tempinho – transcorrido no modesto Colégio Paulo VI –  pudesse se tornar imortal na jornada existencial que empreendemos no transitório plano terrestre. Oxalá reencontremos alguns colegas dessa época numa aura de luz sequencial…

Por João Carlos de Queiroz, jornalista

Mtb 381-18-MT

 

 

 

 

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