Minha experiência inesquecível com uma Yamaha RD-350; máquina fenomenal…

IMAGINE VOCÊ ESTAR ACOSTUMADO A ANDAR NUMA YAMAHA CINQUENTINHA. DE REPENTE, APORTA NOS COMANDOS DA FAMOSA VIÚVA NEGRA. REFIRO-ME À LENDÁRIA YAMAHA RD-350...

1974 – Quando perambulava numa Yamaha GT 50 mini enduro em Montes Claros e imediações (Bocaiúva, Pires e Albuquerque, Coração de Jesus), sentia-me o rei da cocada preta. Isso porque a pequena motocicleta, de cor laranja, adquirida na loja Valdeir Móveis, era o único modelo em circulação pela cidade. Por onde passava, a indócil pipoqueira fumacenta chamava atenção…

Difícil não perceber a legião de olhares cobiçando aquela maquininha dois tempos, aliado ao conjunto de expressões surpresas, diante de suas exibições de força. A GT[zinha]  levantava fácil a roda dianteira, mesmo em segunda marcha. Ciente disso, fazia questão de arrancar veloz na área central.

Nunca entendi, aliás, tanta potência enfronhada no pequeno motor fumacento. Comparando-a depois às 50 CC, ficava óbvio a superioridade motorizada da mini enduro.

Além de me proporcionar prazeroso lazer, essa motinha foi importante também no meu trabalho inicial de office-boy, na Reitoria da Fundação Norte Mineira de Ensino Superior; instituição sediada num dos centenários sobrados da Praça da Matriz, pertencente à família Martins.

Ciente de que poderia dar conta do recado agilmente, realizava a entrega de correspondências nas faculdades mais distantes, administradas pela Reitoria, a exemplo da FADIR/FADEC e FAMED. Essa última, localizada nos confins do bairro Todos os Santos, encampava longo percurso. Anteriormente, suando às bicas, pedalava até lá cerca de duas vezes por semana. A aquisição da mini findou com tal sufoco…

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Numa bela manhã de quinta-feira, quase horário de almoço, fui surpreendido na Reitoria pela visita de japonês amigo de familiares paternos em São Paulo. O emblemático oriental TOHOIAKE viajou da capital paulista a Montes Claros pilotando sua RD-350 lilás. A poeira de asfalto se fazia presente nos aros e escapamentos da imponente Yamaha, famosa mundialmente pela pujança motorizada.

TOHOIAKE disse que ficaria hospedado conosco, convite feito pelo mano Zé, que o acompanhou à Reitoria no seu VW fusca 78. Dali, informou, iriam ao Max-Min, clube local. O japonês perguntou se poderia deixar a moto estacionada em frente à Reitoria, ao lado da minha diminuta GT 50.

Antevendo passeios deliciosos, respondi que sim.

– Cuido dela; deixe a chave. De repente, arrisco dar uma voltinha… – insinuei humildemente, a título de teste.

Esperto, o japa me olhou de soslaio, certamente duvidando se conseguiria pilotar a nervosa RD.

O mano Zé afirmou que eu era capaz de tocar qualquer máquina potente. E para descontrair o japonês, sugeriu volta pela Praça da Matriz.

TOHOIAKE topou, mas, precavido, disse que iria na garupa. E forneceu dicas sobre pilotagem…

– Vê este botão vermelho aqui? Bem ao lado da manete do acelerador? Para a ignição ser acionada, você precisa ajustá-la assim…

A sensação de reinado bateu tão logo tomei assento na RD, ouvindo o ronco sibilante do motorzão dois tempos.

Para melhor impressionar o japonês, acionei a partida (manual) da forma mais natural possível, escutando o rum-rum-rum dos pistões, em início de trabalho. Ágil, o japonês se acomodou na moto, praticamente saltando ali. Devia ser lutador de artes marciais…

– Solte suave a embreagem, senão ela empina e vamos cair! – avisou preocupado.

– Tranquilo, tranquilo… – respondi.

Daí, não sem antes olhar ao redor, checagem de trânsito estar livre, deixei a área frontal da Reitoria em marcha moderada, percorrendo comportado o quadrilátero da Matriz.

– Menino! Você até que toca legal! – elogios do japonês.

Ao estacionar a RD, nem vi como ele desembarcou. O fato é que surgiu repentinamente à frente, autorizando dar uma volta, se acaso quisesse.

Respondi que seria difícil, dado o montante de tarefas diárias na Reitoria. Comentário de pura esperteza…

– A hora de almoço é meu único descanso…

– Vamos voltar lá pelas 16h ou 17… – calculou.

– Mais ou menos por aí mesmo! – emendou mano Zé.

– Só saio daqui quando vocês chegarem.  Aguardarei!

Minutos após o fusca branco do mano virar na esquina dos Correios e Posto Esso, a caminho do Max-Min, acomodei-me novamente na RD-350. Nem acreditava que aquela maravilha estava à minha disposição!

SEM o proprietário por perto, acelerei ruidosamente a RD, antes de engatar a primeira. Sabia estar a bordo de um potro selvagem, quase indomável. O quase se explica pelas precauções que precisamos ter, ao pilotar tanta força bruta…

Vários funcionários da Reitoria demonstraram preocupação ao me ver na RD.

– Você saber andar nessa moto aí, guri? – indagou Baby Figueiredo. Cleonice Souto, secretária, também alertou:

– Menino, menino… Cuidado! Olha o tamanho dessa motocicleta! Por que não anda na sua?!

Sem capacete, respondi que sabia andar. E demonstrei isso ao arrancar veloz: a RD alcançou fácil os100 km na segunda marcha. Nem tinha acabado de cruzar a praça…

Transitei pelo centro e avenidas da cidade, todo orgulhoso por pilotar a famosa Tampa de Caixão, ou Viúva Negra, apelidos da RD.

Quem já me conhecia, pelos giros constantes com a GT 50 mini enduro, ficou espantado ao me ver dominando a robusta Yamaha.

Foi assim que ouvi ao parar rapidamente em frente à Cristal, onde muitos tomavam cerveja:

– Comprou essa máquina agora, garoto? Caramba!!! – escutei. Até bateram palmas…

Ainda perambulei pela Praça Cel. Ribeiro, ponto de encontro dos amantes de Vespa/Lambreta, àquele horário sem nenhum condutor de duas rodas.

Desci pela Rua Dr. Santos [mão da época] bem devagar. Dali, entrei na Dom Pedro II rumo à Praça da Catedral. Na sequência, voltei ao miolo central, Rua Governador Valadares, Cel. Joaquim Costa, etc.

A RD obedecia dócil meus comandos, ciscando nervosa à menor aceleração mais rápida. Que delícia!

Hora de almoço, bateu fome. Melhor ir almoçar em casa, chácara em que residimos pouco antes da entrada da antiga Malhada, bairro Santos Reis.

– Não é a moto do japonês, João? – indagou Helena, diarista.

– É ela mesmo. O japa se escafedeu com Zé Antônio lá pra bandas do Max-Mix Clube. E aí deixou ela comigo… Legal, né? Só não conte pra ninguém que vim aqui…

– Ainda bem que seus pais estão trabalhando, garoto… Se estivessem, você ia levar baita puxão de orelhas!

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Resolvi convidar o mano caçula, Marcelo, para experimentar a RD. Inocente, a criança gritou feliz quando a moto atingiu velocidade extrema na movimentada Avenida João XXIII. Saracoteei agilmente no trânsito, a ponto de assustar motoristas.

– Essa anda demais, hein, Dão! – ele exultou, quase voando na garupa.

Exibido, fiz paradas para conversar com amigos, e uma das mães da garotada mandou recado dedo-duro para a minha:

“João vai se matar naquela moto! Não deixe ele andar mais!”

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O japonês retornou à tardinha, corado de banho de piscina. A RD, ainda quente, estava inteira, lógico, e eu ali, com cara de santinho. Até disse solícito:

– Se quiser andar de fusca por aí, pode deixar a moto aqui. Vou cuidar bem!

O japa tocou os dedos no motor quente. Balançou a cabeça de leve, meio descontente. Não disse nada.

CERTAMENTE, a dedurada que a mãe de colega fez deve ter chegado aos ouvidos do nosso hóspede logo em seguida: ao sair com o mano Zé, deixou a RD na chácara em que morávamos, na Vila Ipê. Sem a chave.

Ao retornar a SP numa tarde, foi minha vez de recomendar ao hóspede:

– Choveu muito, e é preciso muita atenção ao transitar nas Brs.  Devem estar repletas de crateras!

FUI reencontrar o japonês motoqueiro na capital paulista, no final de 79, quando me mudei para Sampa. Por coincidência, dividi apartamento com Toshio e Kimio na Barra Funda, primos dele.

João Carlos de Queiroz, jornalista

 

 

 

 

 

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