Lena Doida teatralizava sandice saudável?

OBS: Seguindo meu costume de escrita em relatos saudosistas, também aqui utilizei a terceira pessoa ao relembrar as peripécias viventes de Lena Doida. Isso não significa, em absoluto, que a tenha "sepultado". Assim a conheci na época, anos 70 e início de 80; meras recordações...

Doida teatralizava sandice saudável?

Há anos, mais precisamente uns 30, não tenho notícias acerca de Lena Doida, uma das figuras excêntricas que conheci em Montes Claros-MG.

Ignoro, portanto, se essa emblemática “boca solta” [sem tramela] ainda vive. Ou melhor: se mantém peregrinações bem-humoradas pela área central da cidade, provocando a paciência e risadas de quantos encontra pelas ruas.

ENQUANTO morador da terra querida, assisti Lena protagonizar ações de caráter alienado. Só que nem sempre foi assim: também a flagrei conversando normalmente com quem a abordasse. Comportava-se, então, muito atenciosa…

Confessa amante da noite, raramente Lena podia ser vista durante o dia. Porém, mal o Sol se escondia tímido no horizonte, sua figura despojada surgia em algum lugar. Sentia-se exultante em curtir boemia desregrada.

Costumeiramente, Lena percorria barzinhos e restaurantes da moda. Andava sem bolsa, trajando simplórias roupas limpas, apesar de encardidas. Presumível que encontrasse dificuldades nesse sentido…

Lavava-as só com água?! Isso sempre quis perguntar…

Esporadicamente, Lena exibia cabelos molhados, talvez para demonstrar ser adepta de higiene pessoal.

Banho completo ou apenas um ‘lava-pés’ trivial?

Na somatória geral, Lena intrigava por ser diferente de todo mundo.

Na Pizzaria PAPAULA, onde costumava comparecer para filar lanches, ou simplesmente saracotear entre as mesas, sorria fácil ao comentar sobre algo em voga na cidade.

O impressionante é que sempre tinha informações precisas, na ponta da língua. Sabia de tudo!

Não raramente, adiantava-se até aos furos jornalísticos.

Qual seria sua fonte permanente? Nem imagino…

Nesse vai-e-vem de conversa fiada, ou papo sério, Lena despertava curiosidade mórbida. Alguns se atreviam a questionar se ela tinha residência fixa, parentes, projetos de vida, etc…

Indagar isso de uma quase indigente é, no mínimo, deselegante…

Lena ouvia tais questionamentos bem atenta, sem se abalar. E aí respondia eventualmente, alternando expressões enigmáticas. Evasivas que deixavam as pessoas atarantadas…

Fingir-se de desentendida era uma de suas estratégias diárias.

Uma vez, após cruzar os braços de modo desafiador, bradou cinicamente ao curioso:

– Meu projeto de vida é você me pagar uma pizza AGORA! ANDE!.

O homem foi pego de surpresa: Lena encarava qualquer macho na porrada – comentava-se.

Gargalhadas ecoaram pródigas. Quase rolou barraco….

□□□

Os que a conheciam de longa data, é outra verdade, não caíam nos seus papos ensaboados: Lena Doida tinha mais lucidez do que muitos cidadãos de Q.I. invejável.

□□□

Essa foi a Lena que conheci e com quem praticamente convivi.

Lena realmente tinha problemas mentais ou era somente uma desafortunada social?

Talvez encampasse uma miscelânea disso tudo…

Se perdesse o controle da matraca bocal, chovia profusão de xingamentos.

Gostava de ser assim ou vivia numa dimensão de entrechoque à realidade?

Desvario questionável…

MESMO se enquadrando numa situação de nítida vulnerabilidade social, nunca vi Lena Doida forçar qualquer ajuda; oportunizava que sua situação simplesmente fosse entendida.

Na simplicidade existencial que cunhou, investiu em sorrisos de desesperança e alegria forjada para sensibilizar corações negros.

HAVIA ainda quem a chamasse de “porra louca”. Ou a tachasse de desagradável, em face da “intrusão”(?) repetitiva nos ambientes que discriminavam classes menos favorecidas economicamente.

Lena nunca foi nenhuma intrusa, mas, sim, uma cidadã livre – e feliz! Jamais se curvou ao domínio daqueles que se acham superiores por ter mais posses…

□□□

O importante é que Lena Doida faz parte do elenco de figuras de tradicional agrado popular da Princesa do Norte de Minas. Integra-se ao grupo de personagens folclóricos de Montes Claros-MG.

Não há morador antigo, aliás, que não a conheça ou tenha ouvido falar dela…

Sua performance carismática é similar à de Betão Ronca-Ferro, Manoel 400, Boneca de Leonel, Tuia e outras figuras cultuadas no município…

SE LENA ainda vive, deve ser uma jocosa idosa divertida a perambular pelos pontos badalados de MOC.

Por João Carlos de Queiroz, jornalista
Mtb 381.18

Foto: Divulgação Facebook /Tripulantes da Máquina do Tempo

OBS: Seguindo meu costume de escrita em relatos saudosistas, também aqui utilizei a terceira pessoa ao relembrar as peripécias viventes de Lena Doida.
Isso não significa, em absoluto, que a tenha “sepultado”. Assim conheci Lena nos anos 70 e início de 80; meras recordações.

Comentários estão fechados.