De repórter, a motorista de carro funerário…

Em 89, ao desembarcar em Cuiabá, meu primeiro emprego na imprensa local aconteceu no ‘Jornal do Dia’, sediado no Boa Esperança, bairro classe média/alta. Tratava-se de matutino simpático, segundo mais lido na capital mato-grossense. Infelizmente, cerrou as portas anos depois. Há décadas, o ‘Diário de Cuiabá’ liderava folgadamente a preferência do leitor.

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Juntamente com o competente repórter Belival Dueti, o saudoso “Pardal”, editei Polícia e auxiliei os editores-chefes em outros cadernos (Cidades, Editorial, Cultura) do ‘Jornal do Dia’. Constituiu-se, aliás, num dos bons empregos que tive na imprensa escrita em MT. Convivi ao lado de pessoas humanas, solidárias; enfim, profissionais de primeira linha. Praticamente trabalhava por prazer, divertindo-me durante o expediente.

Havia ainda, no ‘Jornal do Dia’, a famosa confraternização vespertina toda sexta-feira, dia oficial de vale. Mais interessante do que os salgados e doces, convergíamos olhares cobiçosos aos envelopes lacrados em cima da mesa; cada qual portando nome do funcionário e a respectiva quantia solicitada.

Esse preâmbulo é apenas para explicar meu ingresso no ‘Jornal do Dia’, atendendo convite do então deputado estadual Benedito Ferraz, proprietário da empresa jornalística. Ao me convidar para assessorá-lo na campanha de reeleição, ele afirmou que, acaso fosse derrotado nas urnas, garantiria minha contratação no jornal. Na época, eu desempenhava funções de chefe de Reportagem da TV Centro América (Globo) em Cuiabá.

A campanha de Ferraz foi bem agitada, encampando maratona de arrastões e comícios pela Baixada Cuiabana, além de viagens ao extremo do Estado. Fomos até Rondolândia, comunidade isolada, incrustada no extremo de MT.

No comitê, instalado no Avenida Cel. Escolático, centro, cederam pra mim um Chevrolet Caravan branco, bem conservado. Utilizei-o a serviço e, também, a lazer, indo a festas e barzinhos, nos dias de folga. Inclusive, cheguei a dormir dentro dele algumas vezes, na garagem do Condomínio Vila Verde.

Uma tarde, ao lavá-lo no comitê, um dos motoristas comentou irônico:

– Gostou do carrinho funerário, hein, rapaz? Esse aí é um serviçal veterano: já levou muitos “pés juntos”. Recordo dele em ação…

– Como?! Você deve estar enganado… Esse GM aqui, pelo que sei, nunca levou defunto!

– Digo e provo: já olhou os documentos? Fique à vontade…

Inadvertidamente, eu não checara a documentação daquele veículo. Ao verificar, comprovei que o cabra tinha razão: o CARAVAN, de fato, pertenceu à Funerária Santa Rita.

Para reforçar o que dizia, o motorista abriu o porta-malas e levantou o carpete: os trilhos de encaixe de caixão ainda estavam lá.  Meu Deus! Saracoteei com carro funerário por Cuiabá inteira!

Na sequência, divertindo-se por me ver espantado, o motorista pegou um pedaço de lixa e raspou parte da pintura na porta dos passageiros. Logo apareceu flores cruzadas…

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Comuniquei ao encarregado da frota que desejava substituir o Caravan por algum outro veículo.

– Por ora, temos disponível uma Kombi branca. Mas pertenceu ao IML… – informou morbidamente. Já soubera da minha descoberta.

Levei o assunto ao chefe, candidato Ferraz, e ele determinou que usasse provisoriamente seu Del-Rey. Depois, cedeu-me um Galaxie Laudau. Só que o grandalhão da Ford fundiu o motor após dias de labuta estradeira. Um sonho dirigir aquela máquina!

Terminei a campanha política a bordo de um Buggy. Pelo menos, esse carrinho sapeca não carregou nenhum defunto…

Por João Carlos de Queiroz, jornalista Mtb 381.18-DRT/MT

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